A Sombra da Mortalidade: Entendendo as Principais Causas do Aumento de Óbitos no Brasil nos Últimos Anos
Dr Janrier Wendel
8/8/20256 min read


A Sombra da Mortalidade: Entendendo as Principais Causas do Aumento de Óbitos no Brasil nos Últimos Anos
A saúde pública de uma nação é um espelho de sua realidade social, econômica e política. Nos últimos anos, o Brasil tem observado um preocupante aumento no número de mortes, um fenômeno multifacetado que transcende a mera contagem e exige uma análise profunda de suas causas subjacentes. Este artigo explora, com base em evidências, os fatores predominantes que contribuíram para essa elevação da mortalidade na população brasileira, destacando a complexidade do cenário e a interconexão entre diferentes desafios de saúde.
1. O Impacto Avassalador da Pandemia de COVID-19
Não há como discutir o aumento da mortalidade recente no Brasil sem colocar a pandemia de COVID-19 no centro da análise. Entre 2020 e 2022, o novo coronavírus se tornou a principal causa de morte no país, ceifando milhões de vidas e gerando um excesso de mortalidade sem precedentes. Dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e análises de instituições como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) confirmam essa realidade.
A COVID-19 não apenas causou mortes diretas, mas também sobrecarregou o sistema de saúde, resultando em:
Atraso no diagnóstico e tratamento de outras doenças: Pacientes com câncer, doenças cardiovasculares e outras condições crônicas tiveram suas consultas, exames e cirurgias adiados ou cancelados, levando a um agravamento de seus quadros e, consequentemente, a desfechos mais graves.
Colapso de leitos e recursos: A alta demanda por leitos de UTI, ventiladores e medicamentos específicos para COVID-19 levou à escassez de recursos para outras emergências médicas.
Desgaste de profissionais de saúde: O esgotamento físico e mental dos trabalhadores da linha de frente impactou a qualidade do atendimento.
O Brasil registrou números elevados de óbitos por COVID-19, refletindo uma combinação de fatores como a alta densidade populacional e desafios na coordenação de políticas públicas e na campanha de vacinação. Mesmo com o avanço da vacinação, que reduziu drasticamente a letalidade, o período pandêmico deixou uma marca indelével na curva de mortalidade do país e do mundo.
2. A Persistência e Agravamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNTs)
Mesmo antes da pandemia, as Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNTs) – como doenças cardiovasculares (infarto, AVC), diabetes, câncer e doenças respiratórias crônicas – já eram as principais causas de morte no Brasil e no mundo. A pandemia de COVID-19, no entanto, exacerbou a situação de diversas formas.
Evidências: O Ministério da Saúde, por meio de seus boletins epidemiológicos e do VIGITEL (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico), constantemente aponta a alta prevalência de fatores de risco para DCNTs, como obesidade, sedentarismo, tabagismo e consumo excessivo de álcool.
Durante a pandemia:
Interrupção do cuidado: Muitos pacientes com DCNTs deixaram de comparecer a consultas de rotina e exames, ou tiveram seus tratamentos descontinuados devido ao medo de contaminação ou à restrição de acesso aos serviços de saúde. Isso levou ao descontrole de doenças que, se bem manejadas, teriam sua progressão retardada.
Mudanças no estilo de vida: O isolamento social e o teletrabalho contribuíram para o aumento do sedentarismo e, para muitos, para mudanças nos hábitos alimentares, favorecendo o consumo de alimentos ultraprocessados. Esses fatores agravam as DCNTs existentes e aumentam o risco de desenvolvimento em indivíduos predispostos.
Vulnerabilidade à COVID-19: Indivíduos com DCNTs eram (e ainda são) mais vulneráveis a desenvolver formas graves de COVID-19 e ter desfechos fatais, criando um ciclo vicioso.
Sequelas do COVID-19: Pacientes que se infectaram pelo vírus, mesmo apresentando sintomas leves, sentiram a mudança em seu corpo, apresentando problemas respiratórios frequentes, aumento de doenças cardiovasculares, problemas renais, ansiedade, depressão e sintomas mais leves como fadiga e dores no corpo.
3. Causas Externas: Violência e Acidentes
O Brasil historicamente enfrenta altos índices de causas externas de mortalidade, que incluem homicídios, acidentes de trânsito, suicídios e outras mortes violentas. O país apresenta regiões com altos índices de homicídios que representam uma parcela significativa e preocupante da mortalidade, especialmente entre jovens e populações mais vulneráveis.
Evidências: O Atlas da Violência, produzido anualmente pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, e os dados do SIM, mostram que os homicídios afetam desproporcionalmente jovens do sexo masculino. O aumento do consumo e tráfico de drogas nos últimos anos acentuam as estatísticas. Acidentes de trânsito, embora tenham mostrado alguma estabilização ou redução em determinados períodos, continuam sendo uma causa relevante de mortes e sequelas, muitas vezes ligadas ao consumo de álcool e à imprudência.
A violência urbana e rural, somada à violência doméstica, contribuem para um cenário de morte prematura que impacta a estrutura demográfica e social do país. E a tendência de longo prazo é a continuidade índices altos de mortalidade por causas externas permanecendo um desafio crônico da saúde pública brasileira.
4. Fatores Socioeconômicos e Desigualdades em Saúde
Por trás das estatísticas de mortalidade, residem profundas desigualdades socioeconômicas que ditam quem vive e quem morre. O acesso a saneamento básico, moradia digna, educação de qualidade, emprego e, crucialmente, a serviços de saúde, varia drasticamente entre as diferentes camadas da população e regiões do país.
Evidências: Pesquisas do IBGE e do Observatório da Desigualdade mostram que populações em situação de vulnerabilidade social (baixa renda, sem escolaridade, moradores de periferias e áreas rurais remotas) têm acesso limitado a consultas preventivas, diagnósticos precoces e tratamentos eficazes. Isso se traduz em:
Maior exposição a riscos: Condições de vida precárias, como falta de saneamento, podem aumentar a exposição a doenças infecciosas.
Dificuldade de acesso à informação: Baixa escolaridade pode limitar a compreensão sobre hábitos saudáveis e prevenção de doenças.
Barreiras de acesso ao SUS: Apesar de ser universal, o Sistema Único de Saúde (SUS) enfrenta desafios de financiamento, infraestrutura e recursos humanos, o que leva a longas filas de espera e dificuldade em agendar especialistas ou exames de alta complexidade. Essas barreiras são mais sentidas pelas populações mais pobres.
A crise econômica e o aumento da pobreza nos últimos anos podem ter agravado essas desigualdades, impactando diretamente a saúde e contribuindo para o aumento da mortalidade, especialmente por doenças que seriam evitáveis ou tratáveis com um cuidado adequado.
5. O Enfrentamento aos Desafios na Saúde Pública e a Queda na Cobertura Vacinal
O sistema de saúde brasileiro, embora robusto em sua concepção, tem enfrentado desafios significativos de financiamento e gestão. A descontinuidade de políticas públicas, cortes orçamentários e uma governança fragmentada podem minar a capacidade de resposta do SUS.
Um exemplo crítico dessa fragilidade é a queda acentuada na cobertura vacinal para diversas doenças imunopreveníveis.
Evidências: Dados do Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Ministério da Saúde têm apontado para uma redução preocupante nas taxas de vacinação para doenças como sarampo, poliomielite, tuberculose e outras, que antes estavam sob controle. Fatores como a desinformação, a dificuldade de acesso aos postos de saúde durante a pandemia e a percepção equivocada de que certas doenças não são mais uma ameaça, contribuíram para essa queda.
Embora o impacto direto da queda vacinal na mortalidade ainda esteja sendo plenamente quantificado, a redução da imunidade coletiva aumenta o risco de surtos e epidemias de doenças já controladas. Isso representa uma ameaça latente que, se concretizada, pode elevar ainda mais as taxas de mortalidade por causas que poderiam ser evitadas.
Conclusão: Um Chamado à Ação Coletiva
O aumento das mortes na população brasileira nos últimos anos é um sintoma complexo de desafios históricos e conjunturais. A devastação da pandemia de COVID-19, a carga persistente das DCNTs, a violência estrutural, as gritantes desigualdades socioeconômicas e os desafios no fortalecimento da saúde pública, incluindo a queda na cobertura vacinal, são causas interligadas que exigem uma resposta robusta e multifacetada.
Enfrentar essa realidade requer investimentos contínuos e adequados no Sistema Único de Saúde, políticas intersetoriais que combatam as desigualdades sociais, programas de promoção de saúde e prevenção de doenças, e um combate eficaz à desinformação. Somente com um esforço coletivo e baseado em evidências será possível reverter essa tendência e construir um futuro mais saudável e equitativo para todos os brasileiros.